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quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Um Tempo sem Cronometragem

Hoje já é dia primeiro de Janeiro! Nesta época, sempre tenho um pensamento surreal: e se parassem de cronometrar o tempo? Se não existissem mais anos, meses e datas? Só existissem dias sem número. 
Para marcar algo, não seria necessário combinar uma data. Só assim: daqui dois dias, daqui três dias, daqui trinta dias etc.
Não haveria mais idades, não haveria mais tantos números: 1980, 1985, 1990, 2000, 2012, 2013, 2015, 2016... Dia 10 de Maio, dia dois de Fevereiro, mês quatro, mês cinco, mês seis, dez... Ufa! Quantos números! Até cansa! E se largássemos tudo isso? Seria estranho, mas libertador. Comemoraríamos Natais e aniversários só quando tivéssemos vontade. Nada de ficar contando os dias na folhinha para realizar algo que queremos. Faríamos o que quiséssemos, quando quiséssemos. Nada de marcar uma data. Poderíamos ter a idade que quisermos, que pensamos ter... E prosseguir sempre os nossos sonhos sem deixar para o ano que vem, pois os anos não existiriam mais. Na verdade, nunca existiram, foram inventados.

domingo, 6 de dezembro de 2015

O Coelho e o Cachorro




Eram dois vizinhos.
O primeiro vizinho comprou um coelhinho para os filhos. Os filhos do outro vizinho pediram um bicho para o pai.
O doido comprou um pastor alemão. Papo de vizinho:
- Mas ele vai comer o meu coelho.
- De jeito nenhum. Imagina! O meu pastor é filhote. Vão crescer juntos, pegar amizade. Entendo de bicho. Problema nenhum.
E parece que o dono do cachorro tinha razão. Juntos cresceram e amigos ficaram. Era normal ver o coelho no quintal do cachorro e vice-versa.
As crianças, felizes.
Eis que o dono do coelho foi passar o final de semana na praia com a família e o coelho ficou sozinho. Isso na sexta-feira. No domingo, de tardinha, o dono do cachorro e a família tomavam um lanche, quando entra o pastor alemão na cozinha. Pasmo. Trazia o coelho entre os dentes, todo imundo, arrebentado, sujo de terra e, é claro, morto.
Quase mataram o cachorro...
- O vizinho estava certo.
E agora, meu Deus?
- E agora?
A primeira providencia foi bater no cachorro, escorraçar o animal, para ver se ele aprendia um mínimo de civilidade e boa vizinhança.
- Claro, só podia dar nisso.
Mais algumas horas e os vizinhos iam chegar.
- E agora?
Todos se olhavam. O cachorro rosnando lá fora, lambendo as pancadas.
- Já pensaram como vão ficar as crianças?
- Cala a boca!
Não se sabe exatamente de quem foi a ideia, mas era infalível.
- Vamos dar um banho no coelho, deixar ele bem limpinho, depois a gente seca com o secador da sua mãe e coloca na casinha dele no quintal.
Como o coelho não estava muito estraçalhado, assim fizeram. Ate perfume colocaram no falecido. Ficou lindo, parecia vivo, diziam as crianças. E lá foi colocado, com as perninhas cruzadas, como convém a um coelho cardíaco.
Umas três horas depois eles ouvem a vizinhança chegar. Notam o alarido e os gritos das crianças. Descobriram! Não deram cinco minutos e o dono do coelho veio bater a porta. Branco, lívido, assustado. Parecia que tinha visto um fantasma.
- O que foi? Que cara é essa?
- O coelho... O coelho...
- O que tem o coelho?
- Morreu!
Todos:
- Morreu? Ainda hoje de tarde parecia tão bem...
- Morreu na sexta-feira!
- Na sexta?
- Foi. Antes de a gente viajar as crianças enterraram ele no fundo do quintal!
A historia termina aqui.
O que aconteceu depois não interessa.
Nem ninguém sabe.
Mas o personagem que mais me cativa nesta historia toda, o protagonista da historia, é o cachorro.
Imagine o pobre do cachorro que, desde sexta-feira, procurava em vão pelo amigo de infância, o coelho.
Depois de muito farejar, descobre o corpo.
Morto.
Enterrado.
O que faz ele?
Provavelmente com o coração partido, desenterra o pobrezinho e vai mostrar para os seus donos.
Provavelmente estivesse ate chorando, quando começou a levar porrada de tudo quanto é lado.
O cachorro é o herói!
O bandido é o dono do cachorro.
O ser humano.
Sim, nós mesmos, que não pensamos duas vezes.
Para nos o cachorro é o irracional, o assassino confesso.
E o homem continua achando que um banho, um secador de cabelos e um perfume disfarçam a hipocrisia, o animal desconfiado que tem dentro de nós.